A Música da Morte: Sonorização de dados sobre a pandemia de COVID-19 – Trabalhos da Pós Graduação

O trabalho “A música da morte“ foi desenvolvido pelo mestrando Enrick Magalhães no semestre de 2022.2 na disciplina Visualização Criativa de Dados, ministrada pela professora Doris Kosminsky com apoio do doutorando Luis Ludwig na Escola de Belas Artes da UFRJ. Em seu trabalho, Enrick desvia-se da visualidade para explorar uma outra abordagem de representação de dados: a sonorização. Por meio deste processo, o aluno apresentou dados a respeito de casos diários confirmados e de óbitos diários por COVID-19 no Brasil, partindo do primeiro caso confirmado em 2020 até outubro de 2022, quando o trabalho foi realizado.

“Aqui, abordamos o processo de sonorização de dados enquanto não somente a representação esclarecedora de obtusos números sequenciais, mas também enquanto criação artística, enquanto composição musical enquadrada em preceitos de harmonia tonal. O objetivo é converter os números diários de casos e mortes acarretadas por contágio ao coronavírus na pandemia de COVID-19 de 26/02/2020 a 08/11/2022 (GCDL et al, 2022) em música.”
(Trecho retirado do artigo entregue por Magalhães ao fim da disciplina.)

Os dados trabalhados pelo aluno foram obtidos na página Our World in Data, uma vez que esta oferecia dados mais concisos em comparação com planilhas do Ministério da Saúde e das Secretarias Estaduais de Saúde, que, segundo Magalhães, incluíam informações sociodemográficas irrelevantes para seu projeto. Além disso, a sonorização foi desenvolvida nos softwares Excel, onde ocorreu o tratamento de dados e Musescore 3, no qual os dados foram transpostos em pauta musical.

Uma vez que dois tipos de dados seriam abordados — casos confirmados e óbitos —, cada tipo foi representado por um instrumento distinto, respectivamente, piano e órgão de tubos. Sobre isso, Enrick afirma:

“…o piano foi escolhido por ter um som mais suave (pessoas doentes ainda podem se recuperar), enquanto o órgão de tubos foi escolhido para representar as mortes pela associação do instrumento com o uso na Igreja Católica e com músicas dramáticas e assustadoras (…). O órgão de tubos foi incorporado ao ethos do horror por cerca de um século (…). A diferença entre suave e dramático dos timbres dos dois instrumentos torna perceptível a distinção entre os dados aos quais cada instrumento representa, e permite compreensão da ambiência fúnebre gerada.”
(Trecho retirado do artigo entregue por Magalhães ao fim da disciplina.)

A escala dos dados foi organizada em intervalos de, por exemplo, 1000 em 1000 casos ou óbitos em que cada nota representa um desses intervalos, a fim de preservar a musicalidade da sonorização. Se cada valor fosse representado por uma nota, o resultado fugiria de qualquer sonoridade musical tradicional devido à extensão dos dados. No cenário adotado por Magalhães, uma determinada nota representaria 0 a 1000 casos, a próxima nota da escala representaria 1001 a 2000 casos e assim por diante, partindo de notas mais graves até notas mais agudas para altos números.

Contudo, uma vez que a proporção entre dados de casos e de morte chega até a 50:1, Magalhães optou por adotar intervalos distintos para cada tipo de dado, pois o contrário resultaria nos dados de morte ocupando apenas notas extremamente graves na composição. Assim, o aluno ajustou as escalas de forma que o menor valor de cada tipo de dado (zero para ambos) fosse representado pela nota musical mais baixa da escala adotada, e que o maior valor de cada um (2.871.490 para casos diários e 41.480 para mortes diárias) fosse representado pela nota mais alta da escala adotada.

A sonorização de dados, aqui objetivando uma música como produto final fez com que Enrick precisasse fazer uma série de escolhas artísticas, mas que produziam efeitos nos dados apresentados. Uma importante escolha foi o uso do silêncio na representação de dados. Dessa forma, o silêncio, o vazio na música representou valores de mortes diárias abaixo de 1.000 e de casos diários abaixo de 50.000. Sobre isso, o aluno afirma:

“Desconsiderar casos e mortes abaixo de certos números seria como se eles não existissem. Dias onde ainda morreram centenas de pessoas seriam tratados como se ninguém houvesse morrido. A decisão por fazer esta escolha é explicada porque, apesar desta leitura, a aparição do silêncio é sentida como o menor valor possível de casos e mortos, fruto das políticas públicas de conscientização, distanciamento social, e principalmente, das campanhas de vacinação, reduzindo ambos, casos e mortes, a tal ponto que ainda que não sejam zeradas, são em si nas reduções dos números de casos e mortos um símbolo de vitória, de superação à pandemia, de que o pesadelo vivido mundialmente naqueles anos estava acabando. O silêncio aqui é o som da esperança.”
(Trecho retirado do artigo entregue por Magalhães ao fim da disciplina.)

 

Resultado final. Leia a partitura completa clicando aqui.

“Entender a música como discurso, e almejando sonoridade que permita desenvolvimento musical dentro de uma consonância percebida, dentro de um modo menor harmônico que expresse tristeza e angústia, e que potencialize os movimentos de tensão proporcionados pela função dominante, torna o artefato resultante uma peça que além de simplesmente sequenciar os dados usados, comunica efetivamente uma história de morte, caos, luta, união e superação.”
(Trecho retirado do artigo entregue por Magalhães ao fim da disciplina.)