Debate sobre o redesign na visualização de dados
No começo de janeiro de 2022, o portal de notícias The New York Times publicou uma opinião sobre o aumento de casos de Covid-19 nos Estados Unidos e o impacto da variante Ômicron. Para exemplificar essa nova onda, o jornal criou uma visualização de dados sobre a progressão desses casos desde janeiro de 2020 até a data de publicação.
Fonte: The New York Times
Por mais que o tema em si seja importante, o que acabou repercutindo nas redes sociais – em especial o Twitter – foi o formato inusitado dessa visualização de dados aos quais alguns chamaram de “gráfico da serpente”. A polêmica que viralizou no Twitter intrigou os integrantes do LabVis e resolvemos debater um pouco sobre o assunto.
Analisamos alguns dos posts que criticavam a visualização para entender o porquê de tanta repercussão. O primeiro thread analisado, de tom mais polêmico, foi publicado pelo médico Nick Mark que declarou que a visualização seria a pior de 2022, isso ainda no dia 06 de janeiro. Ele argumenta que o principal problema não é o formato espiralar do gráfico, mas sim o fato do gráfico não apresentar granularidade dos dados, isto é, o gráfico do NYT calcula a média dos casos a cada sete dias e, segundo Nick, isso faz com que o aumento de casos pareça mais suave do que realmente é.
O segundo thread analisado é de autoria de Amanda Makule, diretora executiva da Data Visualization Society. Assumindo um tom mais ponderado do que Mark, ela comparou a visualização original do The New York Times com o redesign proposto por Amelia Wattenberger e expôs, de modo didático, como pequenas decisões de design causam grande impacto. Além disso, ela argumentou que cada gráfico possui um propósito diferente e, seguindo essa linha de pensamento, talvez a prioridade do gráfico original não seja sobre comparações e velocidade de assimilação, e sim a transmissão de uma metáfora visual de uma pandemia que parece nunca acabar.
Afinal, essa é realmente a pior visualização de dados de 2022?
Do nosso ponto de vista, não. Ela está longe de ser a pior visualização do ano, mas realmente existem alguns problemas que afetam sua leitura. Em alguns aspectos, a estrutura espiralar suaviza o impacto da Covid-19. Por exemplo: o posicionamento dos dados, acima e abaixo da espiral, dificulta a visualização do verdadeiro aumento de casos. Isso fica bastante nítido se visualizarmos os mesmos dados em uma representação linear. Além disso, a legenda só indica qual seria a largura da linha até o patamar de 150 mil casos. Por mais que visivelmente esteja claro que em janeiro de 2022 o número de casos é bem maior, não temos indício de que esse valor chegou a 600 mil casos.
Por outro lado, também reconhecemos aspectos positivos na visualização original. A demarcação dos meses auxilia a visualização da variação de casos de Covid-19 ao longo dos anos e a estrutura espiralar permite comparar o mesmo mês em anos diferentes (o que pode ser bastante eficiente para evidenciar padrões sazonais). Independente da precisão da comparação, os integrantes do LabVis concordam que a estrutura espiralar é uma metáfora para o sentimento de looping que a pandemia gera em nós, isto é, a sensação de que o período vivido entre o primeiro dia de quarentena e os dias de hoje está sendo um grande contínuo temporal sem separação entre dia e noite, dias da semana, mês e ano.
Além disso, em se tratando de visualizações para comunicação jornalística, refletimos sobre até que ponto devemos atender a princípios racionais e matemáticos e até onde podemos explorar abordagens mais subjetivas e sensíveis. Logo, esse tema nos fez refletir sobre a crítica dentro do universo do design.
O redesign no campo de visualização de dados
Fernanda Viegas e Martin Wattenberg discorreram sobre o lugar do redesign no campo da visualização em um post publicado no Medium. Segundo eles, é comum existirem críticas aos mais diversos tipos de produções criativas, como no cinema e na literatura. Mas nesses casos é muito complicado que as críticas alcançarem status de redesign. Afinal, não é plausível pensar que um crítico de cinema reconstituirá um filme ou um crítico literário reescreverá um livro inteiro apenas para provarem seus argumentos. Diferentemente, as visualizações, pelo simples fato de serem constituídas de dados que por sua vez podem ser acessados por terceiros, são passíveis de sofrerem uma reformulação mesmo que aproximada. Assim, muitas vezes uma crítica em visualização de dados é associada a uma nova produção (como no post da Amanda Maluke).
No entanto, há que se ter cuidado. O redesign como crítica exige responsabilidade e honestidade intelectual. Quando falamos de visualizações de dados para fins comunicacionais, não podemos assumir que essas são constituídas apenas de dados brutos que podem ser cientificamente reformulados em configurações melhores ou piores do que a original. A visualização de dados, enquanto produto comunicacional, é resultado de múltiplos fatores dentre os quais o contexto, as restrições de tempo e equipe, as tecnologias envolvidas, o público alvo e as intenções dos autores. Qualquer abordagem que analise uma visualização de dados sem considerar esses fatores corre o risco de ser falha e reducionista.